quarta-feira, 17 de junho de 2009

Joshua Redman: Compass

UM SINGULAR DISCO NO PLURAL
Tenho que admitir. Não estou escutando música como realmente gosto. Depois das 11, quase meia noite, quando o silêncio se inicia, até a madrugada, sozinho, com pouca luz. Imperdoável! Ouvir música é um ato de recolhimento, um reencontro com a parte da vida que é superior a isso que chamamos de real, uma aproximação de nossos deuses, se é que eles existem e estão em algum lugar. Não importa. Basta deixarmos que a música nos leve para alguns andares acima dos desejos humanos, carnais e efêmeros. Ouvindo música, ritualisticamente, acredito que
alguma coisa existe além do nosso entorno palpável. Mas tenho o defeito de querer ouvir música na solidão. Entre amigos, ao lado da pessoa amada, dentro do carro, caminhando, batendo papo, também é bom, mas a música torna-se acessória. O ideal mesmo é ouvir música ao vivo, num teatro, no ato de sua feitura, sem precisar estocar. Como nem sempre isso é possível, parto para música em conserva. Para compensar, imagino que sou a platéia, única e soberana. Meu equipamento é um palco imaginário. Tem vantagens. Sinto-me parte da música, ouço o que quero e como quero, com mais ninguém no meu teatro. Transgrido sem medo.
Já passaram algumas semanas depois que Ronaldo convidou-me para escrever em seu (agora nosso) blog. Tenho procurado tempo, para a escrita e a volta verdadeira ao meu ritual semanal de audição musical. Mantenho meu programa na Rádio Universitária de Fortaleza, nem sei como. Apenas faço, toda segunda-feira. Mostro um concerto de jazz gravado ao vivo, em algum lugar do planeta. Agora, com esse texto e o disco sobre o qual vou escrever, retorno ao meu antigo day-off, uma passagem por fora do mundo cotidiano, onde dispo-me dos problemas que não tenho, escondo-me de quem não me procura, saio do ar estando em terra. Um momento único que me permite o luxo de não fazer nada, não pensar em nada, apenas ouvir música, isolado nesse meu teatro particular e imaginário, nos alpes da cidade de Fortaleza. Uma pura cachaça é bem-vinda nesse meu lugar.

Foi lá que ouvi o irretocável disco do saxofonista Joshua Redman, um americano de 40 anos, que sempre admirei, apesar de alguns passos equivocados de sua discografia. Redman é um daqueles músicos que emergiram no jazz nos anos 90 e logo foram intitulados com o horroroso apelido de young lions. Que mania besta essa das imprensas especializadas. Rotulam tudo e todos, principalmente quanto militam no mundo das artes. Arte não carece de nome e sim de emoção.

Na década de 90, ouvia muito um disco de Joshua Redman, gravado no início de sua carreira, com a participação do guitarrista pop star Pat Metheny. Era o álbum “Wish” (1993), seu segundo trabalho. Lembro-me que ouvia esse disco com minha cúmplice, hoje minha namorada e mãe de meu filho, que nem gosta muito de jazz. Lá, no século passado, ainda gravando canções mais populares e tentando catapultar sua carreira, Redman saiu-se muito bem nos temas simples, incluindo Eric Clapton e Steve Wonder. Era um sax melódico e tonal, quase um smooth jazz, sem ser enfadonho ou meloso. Outro disco de Redman que muito me marcou foi “Spirit of the Moment: Live at the Village Vanguard” (1995), um álbum duplo gravado ao vivo. Ali, Redman me conquistou definitivamente. Gosto de jazz feito ao vivo, mesmo enlatado, principalmente quando sobram os ruídos do ambiente, as impurezas de gravação, as vozes ao fundo. Detalhes sujos que tornam o jazz uma música cheia de purezas, muito mais jazz.

Depois de 14 anos, ouço outro Redman, em seu 14º álbum, “Compass” (2009), um trabalho autoral, ousado, maduro, onde se mostra como um instrumentista e compositor de jazz, autêntico e sem títulos midiáticos. Como dizemos no Ceará, um disco de “amostrado”. A alma do disco pode não ser de Sonny Rollins, mas com certeza ele andou passando pelo Avatar Studio, na cidade de Nova Iorque. Ouça “Round Reubem”, feche os olhos e ache o sax de Rollins. É uma bolacha singular e plural. Singular no vanguardismo melódico de seus temas. Plural, literalmente, na ousadia de Redman, com seu sax tenor que vale por dois, acompanhando-se de duas baterias e dois contrabaixos. Isso mesmo, um quinteto, quase sexteto, formado por três instrumentos. O álbum foi construído com 13 temas, 9 deles de Redman. Um desses temas “Noredman” é criação coletiva, dois outros de seus músicos parceiros e uma belíssima homenagem ao alemão Ludwig Van Beethoven, a sonata “Moonlight”, que não abre o disco, mas conquista definitivamente o ouvinte. Uma prece. Na sonata beethoviana, os baixos de Larry Grenadier e Reubem Rogers anunciam a oração, como se implorassem por silêncio profundo, quase fúnebre, textura da amada imortal. Os pratos de Brain Blade e a caixa de Gregory Hutchinson preparam o altar, dão volume, anunciam a celebração. As notas do sax tenor de Redman invadem o ambiente. E nessa hora é inevitável. Tem que parar tudo e ouvir, simples assim. São sons-palavras, pronunciadas na língua universal, nos convidando nossa mais secreta oração. Só essa faixa já valeria o disco. Melhor, tem outras 12.

O tema que apresenta o álbum é “Uncharted”, uma criação coletiva, interpretada pelos próprios compositores. Os primeiros acordes do álbum são, naturalmente, de Redman. As notas de seu tenor anunciam o disco. Ali, já nos primeiros segundos, percebemos que estamos ouvindo algo novo, ou pelo menos diferente. Uma conversa de quatro instrumentistas (Brian Blade não abre o disco). O saxofone define o rumo da viagem que vamos fazer. Música, acima de tudo, com muito espaço para criação individual, luxuosas improvisações, respeito pelo músico do lado, pelo ouvinte. É assim durante todo o disco. Perfeito.

Como o meu equipamento de som não é um compacto made in china, consegui ouvir cada detalhe. E é no detalhe que o disco é grande. Cada faixa vem com a indicação de como os instrumentos estão separados por canal, o que facilita muito a identificação das cores de cada um desses geniais artesãos da música. Como são dois contrabaixos e duas baterias, para o ouvinte menos atento, essa informação é imprescindível, pois permite sentir as nuanças e diferenças entre os dois baixistas e dois bateristas.

Ficaria horas descrevendo os outros temas do álbum, quase todos de Redman. Melhor mesmo é terminar o texto e ouvir mais uma vez. Na minha modesta opinião, o melhor lançamento de 2009, até agora. Volto para o meu day-off. Quem sabe, lá descubro outra pérola negra para comentar aqui.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Amy Winehouse: Back to Black

Infelizmente eu não tenho muitas oportunidades de ouvir discos de artistas na nova geração. Não é preguiça, mas é apenas fato pois mal tenho tempo de ouvir as recomendações que recebo de amigos ou que vejo em sites que frequento. Ano passado, aqui nos EUA, eu estava ouvindo o jornal na radio (NPR) quando a repórter começou a falar desta cantora inglesa metida em problemas de drogas mas que tinha sido indicado para vários Grammys. A primeira coisa que me veio a cabeça foi: "Lá vem mais uma porcaria". Qual foi minha surpresa quando começaram a mostrar partes da música da Amy Winehouse, que confesso até aquelo momento ser uma mera desconhecida pra mim pois nunca nem tinha ouvido falar do nome. Mas bastou uma frase da música pra eu ver que não estavam falando de mais uma "porcaria" mas de algo especial. A voz era maravilhosa, algo que não se ouve todos os dias. Me fez lembrar as grandes cantoras de Jazz como Billy Holiday (não estou dizendo que as vozes são parecidas, estou dizendo que a forma de cantar me fez lembrar de grandes cantoras). Fiquei tão impressionado que ao chegar no meu escritório tive que fazer uma pesquisa no site do NPR sobre a reportagem (pois nem o nome da cantora eu lembrava mais apesar de não esquecer da voz). Descobri que a reportagem era sobre Amy Winehouse. Ao meio dia, por impulso mesmo, foi a loja de discos local e comprei o disco e não conseguia parar de ouvir e o que me impressionava mais era ver a pessoa reponsável pela voz. Uma meninazinha franzina, magrinha que tudo indicava não ser capaz de ter aquela voz, mas tinha e tem. O disco Back to Black, que comprei naquele dia, é simplemesmente maravilhoso com músicas belíssimas e bem interpretadas como Rehab, Back To Black e minha favorita: You Know I'm No Good. Infelizmente, Amy parece ser mais uma dessas cantoras que não conseguem lidar com a própria vida. Constantemente envolvida com drogas, seu destino parece ser a de tantas outras que simplesmente se mataram. Espero estar errado pois com apenas dois discos gravados, ela, como cantora, ainda tem muito a nos oferecer mas para tanto precisa aprender a viver. Se não conhecem não deixem de ouvir. Não vão se arrepender.